Sete argentinos e um ônibus de 1971 Hermanos de Mendoza vendem vinhos para chegar ao Rio



Depois de fazer uma chamada pública no jornal local de Mendoza, um grupo de três amigos argentinos iniciou a seleção para encontrar companheiros para um mês de viagem pelo Brasil durante a Copa do Mundo. Entender de futebol, incrivelmente, não constava entre os pré-requisitos. O principal era gostar de festa, de trago e de (cultura) brasileira.

Publicada a notícia no Diario de Los Andes, três interessados apareceram, mas quem se consagrou na disputa pela vaga a bordo do Pancho I 1971 - o ônibus reformado pelo militar aposentado Juan Carlos Vera, 59 anos, batizado em homenagem ao Papa Francisco - foi Willy Sanchez, de 24. Além de ser "buena onda", é jovem, piadista e dono de uma vinícola em plena terra do vinho. Os outros integrantes da turma de sete foram escolhidos por laços afetivos.

Grupo de designers pintou e adesivou ônibus, batizado em alusão ao Papa. A herança vinícola foi decisiva para a entrada de Willy no grupo. Além da sua simplicidade e jeito reservado - ao menos perto dos novos amigos fanfarrões - ele trouxe 40 caixas de vinho com seis unidades cada, um total de 240 garrafas que eles usam para espantar o frio, animar dias e noites e fazer dinheiro. Se venderem pelo menos metade do Milagro Mendocino, como a bebida é chamada, conseguirão plata para chegar ao Rio de Janeiro antes da final. Isso se não beberem tudo.

Caso o estoque de vinho acabe antes da hora, ainda terão Fernet — a bebida típica argentina —, cerveja e mantimentos para um mês trazidos de casa. Eles não garantirão combustível para locomover o ônibus, mas manterão em alta a alegria dos fãs de Messi e Maradona. Se o sonho dos hermanos se concretizar, um dia após a partida contra a Nigéria eles partem de Porto Alegre rumo à terra do Cristo.

Lá, sim, poderão ir à praia e usar os calções de banho que trazem na mala, com esperanças de mergulhar no Atlântico. Acharam que encontrariam praia em Porto Alegre, mas ficaram decepcionados por não fitar gaúchas de biquíni. Tiveram de se contentar em ver os jogos na orla do Guaíba farreando com shows e novos amigos feitos no entorno da fan fest.

Estacionados desde o dia 13 de junho na parte externa do Acampamento Farroupilha, os hermanos tornaram-se conhecidos pelo parque. Já comeram uns quantos churrascos de graça e juram que estão até negando convites.

— Ficam nos chamando por toda a parte, estamos impressionados com tanta hospitalidade — gaba-se o estudante de Design Santiago Livolsi.

Sem ingressos para os jogos, gastam os dias se divertindo pelas imediações do parque Maurício Sirotsky Sobrinho e ruas da Cidade Baixa. Dormir é algo que fazem entre as 4h e o meio-dia, depois de voltarem das festas. Só Juan Carlos acorda cedo. Espécie de "professor Pardal" das estradas, é ele quem coordena a turma. O militar tinha o sonho de fazer essa viagem quando transformou o ônibus de linha em um motorhome. Diz que ganhou a bênção da família para vir ao Brasil e trouxe o filho Rodolfo junto, como testemunha. 

No volante, diverte-se como se ele mesmo tivesse vinte e poucos anos. Buzina, toca corneta, mostra a espada que trouxe do exército, para a segurança da turma. Coloca o pessoal para empurrar a engenhoca quando precisa fazer o motor pegar. Como tem luz, fogão e chuveiro elétrico, o veículo consome muita energia, e, às vezes, é preciso dar uma circulada. De resto, fazem tudo a pé. Já gastaram três tanques de óleo diesel para chegar ao Brasil, e pelo que dizem, a grana está curta.


Tática para acordar o grupo: empurrar até fazer pegar o motor no tranco .

— O nosso dinheiro custa cinco vezes o de vocês, precisamos poupar, está tudo caro — diz Juan, chorando as pitangas.

Mesmo sem ingresso nem amizade com os exaltados torcedores de Boca Juniors e River Plate, de Buenos Aires, os hermanos de Mendoza querem a todo custo se aproximar do Estádio Beira-Rio no dia do jogo da Argentina. Se for preciso, brincam, vão se misturar aos barrabravas e entrar no estádio à força, com ônibus e tudo. Também sonham em ver Brasil e Argentina se enfrentarem na final do Mundial e, garantem, mais pela simpatia do que pelas palavras, que a rivalidade é algo que só existe dentro de campo.

Fonte: RBS