Vinícola Miolo em transformação

A vinícola gaúcha contratou um CEO, comprou a Almadén, vai lançar um vinho de US$ 100 e se lançará com força no mercado externo. O objetivo é se tornar uma empresa global

Por Carlos Sambrana



As primeiras garrafas já repousam, em Londres, em contêineres resfriados aguardando o sinal verde para invadir as gôndolas. A data foi marcada para a próxima semana, mas a maturação do projeto ocorre há mais de um ano, entre degustações, criação do rótulo e adaptações ao paladar local. Todo cuidado, dizem os executivos, é pouco. "O Alísios impulsionará a empresa no mercado externo", diz Adriano Miolo, enólogo da vinícola Miolo e um dos herdeiros da tradicional produtora de vinhos. "A princípio, vamos vender apenas oito mil garrafas do Alísios neste ano. Em 2010, porém, vamos chegar a 120 mil garrafas", diz Carlos Eduardo Nogueira, diretor de relações internacionais da Miolo. Será a ponta de lança para que a empresa seja reconhecida internacionalmente como uma produtora do Novo Mundo - como são chamados os vinhos de países como Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e os da América do Sul. E também para que faça das exportações uma das grandes fontes de receita. Hoje, elas representam apenas 5% do faturamento de R$ 100 milhões do grupo, mas a ideia é alcançar 50% até 2018. O lançamento do novo rótulo, o primeiro da empresa desenvolvido especificamente para um país, é apenas uma pequena parte da transformação pela qual a Miolo Wine Group tem passado. Nos últimos meses, a empresa anunciou o lançamento de um vinho chamado Sesmarias, produzido na região de Campanha (RS) e cuja garrafa custará US$ 100; comprou a vinícola Almadén; e contratou Marcelo Toledo, ex-AmBev, como CEO. "Estamos nesse negócio para investir alto e competir com os grandes", diz Toledo.


A meta do executivo é aumentar a distribuição dos vinhos pertencentes ao grupo e coordenar a incorporação da Almadén ao portfólio. "Quero implantar a cultura de distribuição de cerveja", diz ele. "Se você vai a um aeroporto brasileiro, por exemplo, não encontra um wine bar." A seu favor nessa busca por levar os vinhos para todos os lugares, conta a vasta carta da empresa com 84 rótulos, dos mais econômicos aos mais exclusivos. A compra da Almadén, inclusive, ajudou a companhia a entrar com mais força no mercado de vinhos de preços mais acessíveis. Mais: ao levar a Almadén para casa, a família Miolo, a vinícola Lovara e o empresário Raul Anselmo Randon, sócios na Miolo Wine Group, também fizeram com que todos os planos da companhia fossem revistos da noite para o dia. "Atualmente, temos uma área produtiva de 1.150 hectares e produzimos 12 milhões de litros ao ano. O nosso plano era chegar nesse número em 2012", diz Adriano Miolo. Agora, todas as ações estão sendo projetadas para 2018. "Nosso objetivo é chegar lá com dois mil hectares e 25 milhões de litros." Para isso, entretanto, a empresa terá de contar com o crescimento do mercado nacional, que hoje movimenta R$ 1,2 bilhão, e com o aumento das vendas para o Exterior. Nesse sentido, dados apresentados, na semana passada, pelo Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) são otimistas.

De janeiro a setembro de 2009, as vendas de vinhos finos e de mesa totalizaram 165,8 milhões de litros, 13% a mais do que no mesmo período do ano passado, quando foram anotados 146,1 milhões de litros. Em contrapartida ao crescimento dos rótulos nacionais, a importação de vinhos estrangeiros declinou de 41,35 milhões de litros para 38,66 milhões de litros neste ano. Pode parecer pouco, mas simboliza muito para a indústria brasileira. "Estamos quebrando o preconceito contra o vinho nacional", diz Carlos Paviani, diretor-executivo do Ibravin. Isso é fruto de pesados investimentos realizados pelas grandes vinícolas brasileiras como a própria Miolo, que desembolsou R$ 120 milhões em melhorias nos últimos dez anos e ainda trouxe o wine maker francês Michel Rolland para dar consultoria exclusiva no corte de cada vinho. "Mas ainda existe muito preconceito", diz Toledo, da Miolo Wine Group. "Eu mesmo era um baita preconceituoso. Achava que só os vinhos estrangeiros eram bons. Mas, quando entrei aqui e conheci os processos de produção e as bebidas, caí do cavalo", diz ele. Quem conhece o assunto define: "A Miolo e a Salton são as empresas que mais investiram em qualidade e em um marketing agressivo. Fizeram os críticos torcer o nariz", diz Arthur Azevedo, diretorexecutivo da Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo (ABS-SP).
O que faz da Miolo uma das grandes competidoras do mercado é também a sua capacidade de produzir os mais variados tipos de vinhos e espumantes em terroirs totalmente distintos como no Vale dos Vinhedos, em Campos de Cima da Serra, na Serra Gaúcha, em Campanha - todos no Rio Grande do Sul - e também no Vale do Rio São Francisco (BA). Essa mescla permite que a empresa produza especificamente para cada mercado. O Alísios, por exemplo, que chega à Inglaterra na próxima semana custando 6,99 libras (US$ 11,40) a garrafa, foi confeccionado com uvas cultivadas em Campanha. O sucesso dessa bebida na terra de Elizabeth II é crucial para a marca. Isso porque os ingleses importam 2,1 bilhões de euros em vinho por ano e consomem 27,4 litros per capita, enquanto os brasileiros surgem com 1,8 litro por cabeça. Ou seja, os britânicos são formadores de opinião. O mesmo acontece com os americanos. "Em 2010 lançaremos um vinho para os Estados Unidos", diz Nogueira, da Miolo.
Ao mesmo tempo que concentra esforços no mercado internacional, sua ação comercial no Brasil é vista com ressalvas. "Aonde eles chegam, se impõem com força e chegam a praticar dumping para eliminar a concorrência", diz um crítico. "Em certos restaurantes, não deixam ninguém entrar." Os rivais, porém, não comentam essa ação e mantêm a diplomacia. "A família Miolo tem feito um trabalho respeitável no mercado de vinhos", diz Daniel Salton, presidente da vinícola Salton, uma das principais competidoras com uma produção de 14,5 milhões de litros e líder na área de espumantes. Esse mesmo respeito é o que a Miolo quer conquistar lá fora.



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