Mais e melhores vinhos no toque da tela do iPad

ATLANTA, EUA - No Bone's, a steakhouse mais admirada de Atlanta, com um salão revestido por painéis de carvalho e mesas forradas por toalhas brancas, os garçons vestidos impecavelmente agora recebem seus clientes para o jantar estendendo-lhes um iPad. O acessório vem carregado com a extensa carta de vinhos do restaurante, onde estão registradas descrições detalhadas e classificação de 1.350 rótulos. Uma vez familiarizados com o manuseio do equipamento, o que não costuma demorar, os clientes podem procurar o vinho que desejam por nome, região, tipo de uva e preço, conhecendo instantaneamente informações sobre o produtor e a vindima.
Desde que foi adotado em substituição à carta de vinhos tradicional, há cerca de dois meses, o iPad encantou a clientela no Bone's. Para surpresa dos donos, os pedidos de vinhos aumentaram da noite para o dia - em cerca de 11% nas primeiras duas semanas, comparado às três semanas anteriores.
Outros restaurantes que estão introduzindo as cartas de vinho no iPad, de Sydney a Londres, passando por Nova York e outras cidades, têm relatado resultados semelhantes. O acessório parece estar despertando mais interesse pela bebida e incentivando escolhas cada vez mais ousadas por parte dos clientes, que vêm se mostrando mais confiantes também em fazer seus pedidos, dizem, revolucionando a psicologia do momento considerado o mais constrangedor de um jantar.
- Foi como se tivessem me dado o gabarito de uma prova - compara Bradley D. Kendall, cliente regular do Bone's, que recentemente usou o iPad para escolher um cabernet franc Corté Riva 2005 por US$ 102, cerca de 25% além de sua faixa de preço habitual.
Kendall descreve-se a si mesmo com um "questionador do vinho". Já viajou de férias para o Napa Valley e para a Itália e tem uma adega em casa, mas não se lembra dos rótulos de todas as refeições. Sabe apenas o suficiente, ou talvez, pouco o suficiente, para suspeitar quando um garçom recomenda um rótulo que ele não conhece.
- Lá no fundo você fica imaginando: será que este é algum tipo de carro usado especial? Será que eles têm umas 200 garrafas deste?
Mas Kendall disse que as avaliações que encontrou no iPad - feitas pelo especialista Robert Parker - trazem credibilidade. Ele decidiu que o preço pago pelo cabernet franc se justifica pela nota dada por Parker ao vinho: 92 sobre 100.
- Encontrei uma garrafa de vinho que eu nunca havia experimentado, e foi maravilhoso - diz.
Alguns dos que já usaram os iPads preveem a extinção gradual da carta de vinhos revestida em couro, poupando resmas de papel a cada semana e ameaçando sommeliers.
- Se inventarem um que possa abrir uma garrafa de vinho, vou morrer de medo. Quando vi e conheci suas possibilidades, pensei: é o fim da tipografia - destaca Fred Dame, um dos 105 sommeliers masters dos Estados Unidos e presidente do Guild of Sommeliers Education Foundation.
As listas de vinhos interativas surgiram num círculo restrito de restaurante a partir de 2001, e há especialistas que vêm fazendo recomendações por aplicativos de smartphones. Mas o lançamento no início do ano do iPad da Apple, que se aproxima de uma carta de vinhos convencional em tamanho, forma e peso, acelerou subitamente a tendência.
A empresa Incentient, de Long Island (NY), que produz o software utilizado nas cartas de vinho para iPad, já recebeu encomendas de 40 restaurantes, nos últimos cinco meses, conta Jennifer Martucci, a vice-presidente para desenvolvimento de produtos, vendas e marketing da empresa. Donos de restaurante famosos, como Gordon Ramsay e Todd English, estão entre os pioneiros. Alguns restaurantes, incluindo Bone's e Naples Tomato, em Naples, na Flórida, desenvolveram seu próprio software.

- A escolha do vinho é uma tradição antiga. Mas chegou a hora de aprimorar esta experiência, adaptando a forma à qual estamos nos habituando a obter informação hoje em dia - diz Martucci.
Nem todos estão tão certos disso. Susan DeRose, coproprietária do Bone's, questiona se os iPads não vão despersonalizar a experiência da alta gastronomia:
- Fico imaginando se os homens vão ficar brincando com o iPad em vez de conversar à mesa. Penso que é muito importante que as pessoas socializem.
Bob Reno, sommelier veterano, conta que seus colegas de trabalho, de início, ficaram preocupados:
- Não queríamos ser substituídos. Tivemos que encontrar um jeito de trabalhar em conjunto.
Mas os garçons rapidamente passaram a apreciar a habilidade do iPad para monitorar e atualizar instantaneamente um estoque de 20 mil garrafas, e eles viram que os clientes ainda continuavam buscando um reforço na sugestão, particularmente na hora de harmonizar o vinho com a comida.
- Com a informação no iPad, eles parecem estar mais abertos a experimentações, pedindo diferentes varietais ou indo além de suas faixas de preço. Fico espantado, mas eles parecem confiar mais no dispositivo do que em mim, e estas são pessoas que eu venho atendendo há dez anos - comenta Reno.
Kevin J. Burns, que recentemente escolheu um vinho em um jantar de negócios no Bone's, conta que os 15 minutos que passou com o iPad o ajudaram a decidir entre diversos pinot noirs da mesma vinícola.
- É fabuloso poder entender não apenas os preços, mas também os sabores, a descrição e os comentários do produtor. A tecnologia permite que você faça muito mais com uma carta de vinhos hoje do que antes - avalia Burns.
Ao que Cindy A. Mannes, a seu lado, acrescenta:
- O iPad não tira o valor do sommelier, mas todos nós gostamos de tomar nossas próprias decisões.
Os garçons do Bone's já viram bebedores de cerveja e de drinques optarem por garrafas de vinho caras depois de passarem um certo tempo com um iPad. O mesmo aconteceu no South Gate, restaurante no Jumeirah Essex House em Nova York, que vem usando a carta de vinhos no iPad desde julho.
- É ótima forma de incentivar a venda do vinho em garrafa em vez da taça - observa Winfred van Workum, o diretor de Alimentos e Bebidas do hotel.
Richard T. Lewis, que abriu o Bone's com a sócia DeRose há 31 anos, disse que ficou surpreso que nenhum dos iPads foi danificado. O maior desafio tem sido tirá-los das mãos dos clientes.
- Ainda estamos preocupados em controlar a tecnologia sem deixar que ela te controle - pondera.

Kevin Sack, do New York Times
Naples Tomato: 14.700 Tamiami Trail. Naples, Flórida. www.naplestomato.com
South Gate: No Jumeirah Essex House. 154 Central Park South. Nova York. www.jumeirah.com
Extraído da Web O Globo >>