Não Beba Rótulos


O vinho não tem hora, mas as melhores importadoras têm. Quem nunca recebeu a incumbência de última hora de levar um "vinhozinho gostoso de preço bom para um jantar"? Ou não esqueceu de providenciar as garrafas para tomar na casa de amigos? Tudo fechado, os catálogos lindos sobre a mesa, mas com entrega só para a semana que vem, e o compromisso lá, esperando. Ainda não estamos acostumados, como os ingleses, a comprar vinhos no supermercado, sem sentir vergonha.


Jancis Robinson, a principal crítica de vinhos do mundo, autointitula-se uma penny saver, ou, em bom português, pão-duro mesmo. Com uma adega pessoal lotada de todas as melhores safras de Bordeaux e Borgonha, ela não tem problema algum em comprar os melhores vinhos baratos que encontra nos mercados londrinos, e os recomenda no seu site. O bom bebedor de vinhos sabe que vinho bom é o gostoso que atende à necessidade do momento. O bebedor equivocado, ao contrário, coleciona rótulos para exibir aos amigos.

Sem preconceitos, o Paladar foi aos principais supermercados da cidade, com seus corredores intermináveis cheios de vinhos. Impressiona a oferta de todos os países, impensável duas décadas atrás (veja comentário abaixo sobre os clássicos de todos os tempos), o que aumenta a sensação de desorientação labiríntica e a necessidade de alguma indicação. Foram quatro dias praticamente escaneando prateleiras e conversando com atendentes. A primeira surpresa, além dos inúmeros rótulos desconhecidos, foi a boa climatização dos ambientes, em geral refrescados adequadamente.

Outra, não há mais luzes potentes e quentes dirigidas aos vinhos, coisa que os destruía com facilidade - o que já comprei de vinho cozido por calor vindo de cima e uma muralha de ovos de Páscoa na frente abafando ainda mais as garrafas... Melhoraram conservação e exposição, é uma alegria ver isso.

Caso a demanda inclua algum equipamento básico, o quadro também melhorou. A oferta de taças triplicou, longe do copinho grosso de vidro. Há qualidade e formatos variados. Consegui algumas de vidro fino bem corretas. Os saca-rolhas que abrem os braços, aqueles estilo polichinelo, grandes quebradores de rolhas que eram, estão sumindo. Predomina hoje o de garçom francês, em três estágios, bom, barato e prático (além de portátil). Mas quem quiser um mais sofisticado encontra uma boa versão do rabbitt.


Nas tardes do fim de semana ou numa madrugada de sede simples, que não justifique desarrolhar aquele Vega Sicilia guardadinho nas profundezas da cave climatizada, já é possível suprir a emergência vinícola com líquidos corretos no supermercado.


Pequeno Manual de emergências vinícolas


  1. Atenção à temperatura: Evite os vinhos expostos ao calor. Altas temperaturas são terríveis, porque cozinham o vinho e muitas vezes estufam a rolha, permitindo a entrada de ar e a oxidação da bebida
  2. Cuidado com a luz: Evite os vinhos expostos ao excesso de luz, o que acelera o processo de oxidação da bebida
  3. Nada de vinhos caros: Rótulos de mais de R$ 120 não são para o dia a dia e é melhor comprá-los nas importadoras. Ignore esse mandamento se estiver na Europa: mercados ingleses, franceses e espanhóis têm grandes rótulos à venda e geralmente a bons preços
  4. Observe a cápsula: Se estiver estufada ou com vazamento é um péssimo sinal, geralmente prova de que o vinho foi exposto ao calor
  5. Tampa de rosca não é defeitoNão tenha preconceito com a screwcap, a tampa de rosca: ela não é indicação de vinhos piores. Há grandes produtores usando o novo fechamento em vez de rolha
  6. Não tenha medo de errar: Ouse, compre vinhos que não conhece. Se o vinho não agradar, será só uma garrafa, mas se cair no seu amor, você terá ganho um novo rótulo para variar
  7. Peça ajuda: Os grandes supermercados costumam ter entusiasmados vendedores, que vão saber orientar você e tirar suas dúvidas
  8. Desconfie de ofertas muito sedutoras: Se o preço for baixo demais, compre só uma garrafa e prove. Se o vinho valer a pena, volte e compre mais
  9. Fique atento à idade: Certos tipos de vinhos e uvas não aguentam muito, desconfie das garrafas com mais de 5 anos na prateleira do supermercado.
  10. Não beba rótulos: Há deliciosos produtos em todas as faixas de preço e para todas as ocasiões. Não tenha vergonha de provar vinhos mais baratos

Extraído do Estadão;
Fotos: Gustavo Jota
Texto de Luiz Horta.